A produtora Studio Ghibli acertou em cheio com A Viagem de Chihiro. Ganhador de mais de trinta prêmios, o filme foi aclamado pela crítica não só pela animação, mas pela música. Sua qualidade pode ser apreciada por todas as idades, já que o longa pode ser destinado aos jovens e aos adultos.
É um filme japonês de aventura e fantasia de 2001, cuja premissa é a de Chihiro tentando salvar a si e sua família, mas não de um jeito comum, muito pelo contrário, seus pais foram transformados em porcos! E mesmo com o aviso de que deveria sair daquele local – conforme sabíamos que não seria cumprido – resta para ela realizar uma tarefa para que tudo volte ao normal: ela deixe de ser transparente e eles voltem a ser humanos novamente.
Na casa de banhos termais, ela deverá provar que é capaz de cumprir uma tarefa e é nessa aventura fantasiosa que Chihiro e nós nos adentramos em uma jornada espiritual. Ela é como a Alice, uma menina que se perde em histórias mirabolantes de um reino alternativo no país das maravilhas; e nós, por tabela, vamos usufruindo dessas doces loucuras. Tal qual Alice, Chihiro é uma criança que deverá amadurecer e ter responsabilidades como uma verdadeira adulta. Só aí já temos uma baita de uma reflexão acerca da transição de criança para adulta e a maturidade consequente.
É um “coming-of-age” sem o suporte de alguém de sua confiança. Onde ela se encontra é um local desconhecido e não sabemos se são amigos ou inimigos as criaturas que passam por ela. Assim como não sabemos detalhes dos demais personagens, algo que até gostaríamos de nos aprofundar; mas sendo o filme já bem longo e sem necessidade ali de expressar algo mais do que já explorado, fica à nossa imaginação comandar esses aspectos – mas sempre deixando claro de que não porque ficaram lacunas, e sim por uma curiosidade em explorar outras identidades que não apenas a de Chihiro. Não seria interessante saber mais sobre o Sem Rosto?
A primeira vez que eu vi esse filme eu achei perturbador. Há muitos anos atrás esse aspecto meio doido do filme sempre me deixava tensa, não via como um filme leve, principalmente por alguns personagens. Pesquisando, percebi que apesar de um filme considerado infantil, tem muitas críticas à sociedade japonesa, que vai desde a questão ambiental até as tradições. Então vai muito além do que pensamos.
Esse aspecto sobrenatural pode assustar, mas associando à visão sobre a jornada espiritual, podemos analisar a animação sob uma ótica mais interessante. E claro, tem a menina. Torcemos para que Chihiro cumpra a sua tarefa com êxito e possa voltar ao seu mundo com sua família, sãos e salvos.
Uma cena bizarra é quando um dos espíritos devora pessoas. E aí entra mais um motivo bem concreto nessa obra: nada foi jogado ou posto à toa no filme, reflete o lado mal das pessoas que, mesmo em um ambiente de luxo, sucumbem aos vícios e prazeres. Claro que não há uma só visão para cada aspecto abordado no longa, ao contrário. Sempre poderão surgir mais e mais interpretações sobre um mesmo fato. E tudo bem. Fora que às vezes um aspecto é tão oculto, mas tão oculto a ponto de quase não ser encontrado e mesmo assim foi colocado com um propósito, só que outros estão menos camuflados e de tão explícitos gritam para nós sua mensagem.
Apesar de tudo ocorrer bem e ela retornar pelo túnel, mudanças ocorreram. A experiência foi significativa para ela e houve aprendizado, ela evoluiu. Quanto aos pais que viraram porcos, temos a sociedade de consumo sendo exposta. Para eles talvez não tenha significado muito, ou nada. Vai saber. Mas que lembra A Revolução dos Bichos (George Orwell) lembra, aqui deixo um adendo: se não leu, vale a pena.
Temos referência ao capitalismo também nas rotinas exaustivas de trabalho sob a chefia de Yubaba, fora os outros 1001 aspectos que poderemos observar toda vez que vislumbrarmos essa obra. A subjetividade de cada um e o momento que nos encontramos, fase de vida, humor, etc, afeta a forma como enxergamos e a mensagem transmitida – pelo menos em Chihiro. Um infinito de possibilidades. Quem dera se todas as obras fossem uma eterna descoberta.
O filme só chegou no Brasil dois anos depois, em 2003, mesmo ano que ganhou Oscar de melhor animação. Ainda é considerada uma das melhores animações da década de 2000. Carregada de simbolismo, foi um marco para o Studio Ghibli, cuja animação japonesa ainda se mantém na memória das gerações que cresceram com ela.
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